Medidas judiciais atípicas para cobrança de dívidas geram discussão sobre direito fundamental do cidadão
STF considera constitucional aplicação de medidas como apreensão de CNH e passaporte de devedores
Em fevereiro o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a constitucionalidade o dispositivo do CPC (Código de Processo Civil) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da CNH (Carteira Nacional de Habilitação), apreensão de passaporte e a proibição de participação em concurso e licitação pública.
O relator, ministro Luiz Fux, recebeu apoio da maioria do Plenário. Para o magistrado, a aplicação das medidas são válidas, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
O advogado especialista em Direito Civil, André Beck Lima, esclarece que, em relação à razoabilidade, isso quer dizer que não se pode simplesmente ser aplicado ao subjetivismo do juízo. “Primeiramente, deve-se esgotar todas as tentativas de recebimento de crédito, como tentar atingir patrimônio do devedor, e deixar medidas atípicas para uma última oportunidade”, elucida.
Já em termos de proporcionalidade, Beck Lima explica que não se pode atingir o direito fundamental. “Por exemplo, se o cidadão é motorista de aplicativo ou de ônibus, taxista, não poderá ter sua carteira de habilitação cassada, porque é desproporcional ao seu direito fundamental de trabalho”, explica.
André Beck Lima concordou com o argumento do ministro Edson Fachin, que defendeu que o devedor não pode sofrer sanção que restrinja sua liberdade ou seus direitos fundamentais, em razão da não quitação de dívidas, exceto na hipótese do devedor de alimentos. No entanto, foi voto vencido.
“Entendo que as medidas coercitivas validadas pelo STF violam direitos fundamentais. A apreensão da CNH contraria o direito de ir e vir e a apreensão do passaporte viola a garantia de entrar e deixar livremente o país. Já a proibição de participação em concursos desrespeita a garantia do livre acesso a cargos públicos, enquanto a vedação à participação em licitações viola o princípio da livre concorrência”, pondera.
O advogado complementa que, em sua opinião, diante do direito do credor em confronto com o direito fundamental do devedor, deveríamos equalizar o conflito de outras formas. “O ativismo judicial é sempre delicado. Não podemos outorgar ao Estado-Juiz o critério subjetivo da aplicação dessas medidas, sob pena de um processo coercitivo sem critério, sem respeito às regras do jogo e sem respeito aos direitos fundamentais”, finaliza.
Em conformidade com a determinação, Beck Lima frisa que a condenação judicial neste nível será sempre um dos últimos recursos, sendo indispensável a orientação de advogados para a negociação de dívidas, reavaliando e renegociando contratos, bem como os pactos firmados.