Nesta semana recebi a mensagem de despedida de um colega de trabalho. Depois de 32 anos de serviços prestados à empresa, entre as palavras de agradecimento e o sentimento de missão cumprida, me chamou atenção o final das suas palavras (do texto de Fernando Pessoa): "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo. Esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. Se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.”
A primeira coisa que me veio à cabeça foi que, para alcançar tal desprendimento, precisamos de muito discernimento, maturidade e uma significativa dose de evolução espiritual. Soa como um desapego ao mesmo ritmo de vida, uma fuga da zona de conforto, um verdadeiro abandono do mesmo, para dar lugar à ousadia de se conhecer melhor e dar margem à novos caminhos, provavelmente mais sintonizados com o coração.
Me incorreu também que na vida cada coisa acontece ao seu próprio tempo, mais rápida ou lentamente, de acordo com o ritmo de cada caminhante. Existe o tempo das obrigações, da necessidade do trabalho profissional, da construção familiar e do dever com os semelhantes. Nossa história acontece em etapas e momentos que, no entanto, não tem outro norte senão a tarefa de evoluir, cujo desafio é individual e intransferível. Mas boa parte do nosso tempo, da nossa vida, está também reservada para a missão pessoal. É o atendimento àquela intuição vinda do coração que te “incomoda” todo dia, a voz do seu talento e da sua real potencialidade, por vezes esquecida em detrimento das obrigações que se fazem necessárias ou do mesmo que se repete.
Pouco importa em que estágio ou momento você está na sua jornada. Abandone as amarras do passado e reduza a ansiedade sobre seu futuro. Importa de verdade o que é o seu tempo presente e o que vai fazer dele. Se “o mesmo” que praticamos repetidamente não nos proporciona paz e realização, haveremos de concordar que é o caso de abandoná-lo. Não se trata de abandono do objeto em si, mas da forma como encaramos e tratamos cada circunstância do nosso viver. È o reagir diferente diante das dificuldades. É o caso de conhecer-se, educar-se, melhorar-se, para só então esperar que o mundo vá te enxergar com novos olhos.
As variáveis da vida na imensidão universal podem ainda não ser mensuráveis ao nosso entendimento, mas podemos ousar resumir que “abandono do mesmo” seja um propósito firme e consistente de fazer as mesmas coisas, de forma diferente, para chegarmos a resultados diferentes. Por mais que tomemos rumos e caminhos diversos na vida, fato é que sempre vamos nos encontrar com nós mesmos, com a nossa consciência. O convite, então, é que trabalhemos nosso melhoramento para que os encontros com nós mesmos pelo futuro, sejam cada vez mais prazerosos, serenos e virtuosos, com aquele gostinho de que “o mesmo” já não faz parte da nossa rotina.
Boa semana à todo(a)s !